Como cediço, para a configuração da relação empregatícia, a Consolidação das Leis do Trabalho, mais especificamente em seu art. 3º, exige a prestação de serviços de natureza não eventual.
Já a Lei n.º 5.859/72, em seu art. 1º, impõe como requisito que o empregado doméstico preste serviços de natureza contínua no âmbito residencial da família.
Assim, para a configuração do vínculo empregatício, seja doméstico ou não, a lei trabalhista brasileira exige a habitualidade, ou seja, a continuidade na prestação dos serviços pelo trabalhador.
No entanto, contrariamente ao que ocorre com a legislação trabalhista de outros países, o ordenamento jurídico pátrio não fixa um critério objetivo para identificar o que se trata de trabalho de natureza “não eventual” ou “contínua”.
E exatamente por conta da ausência de critérios precisos, a jurisprudência tem adotado interpretações divergentes para o caso, por exemplo, das faxineiras, normalmente chamadas de diaristas, que trabalham alguns dias da semana no âmbito residencial de uma determinada família.
Isso ocorre porque, de regra, o trabalho desempenhado pela diarista em muito se assemelha ao serviços prestado por uma legítima empregada doméstica.
Em recente julgamento, proferido nos autos do processo n.º RR 17.676/2005-007-09-00.0, a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que não há vínculo empregatício nos casos em que a diarista presta serviços até 03 (três) dias da semana.
No caso em comento, a trabalhadora prestava serviços somente dois ou três dias na semana, durante aproximadamente 18 anos, o que, segundo o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, não é suficiente para o reconhecimento de liame empregatício, caracterizando o trabalho na condição de diarista.
Nesse sentido, observe-se a ementa do julgado proferido pelo TST:
RECURSO DE REVISTA. DIARISTA QUE PRESTA SERVIÇOS, EM RESIDÊNCIA, DOIS OU TRÊS DIAS NA SEMANA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O reconhecimento do vínculo empregatício com o empregado doméstico está condicionado à continuidade na prestação dos serviços, o que não se aplica quando o trabalho é realizado durante alguns dias da semana. No caso, inicialmente, durante longo período, a reclamante laborava duas vezes por semana para a reclamada, passando, posteriormente, a três vezes. Assim, não há como reconhecer o vínculo de emprego postulado, porque, na hipótese, está configurada a prestação de serviços por trabalhadora diarista. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento, para julgar improcedente a reclamação.
No julgamento em referência, o TST consignou o seguinte posicionamento no acórdão:
“Dos textos legais em exame, percebe-se que o reconhecimento do vínculo empregatício do doméstico está condicionado à continuidade na prestação dos serviços, o que não se aplica quando o trabalho é realizado durante alguns dias da semana. Isso, considerando-se que, para o doméstico com vínculo de emprego permanente, a jornada de trabalho, em geral e normalmente, é executada de segunda-feira a sábado, ou seja, durante seis dias na semana, até porque foi assegurado ao empregado doméstico o descanso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (Constituição Federal, art. 7º, XV, parágrafo único)”
No entanto, em outro julgamento proferido pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do processo n.º RR-18756/2003-002-09-00.0, foi reconhecida a existência de vínculo de emprego de uma trabalhadora que prestou serviços em apenas um dia na semana, por mais de 27 anos.
A ementa desse julgado foi assim redigida:
RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. DIARISTA. TRABALHO SEMANAL PRESTADO AO LONGO DE VINTE SETE ANOS PARA A MESMA EMPREGADORA CONTEMPLANDO TODAS AS SUAS NECESSIDADES BÁSICAS E COTIDIANAS DO SERVIÇO DOMÉSTICO. A Reclamada não conseguiu demonstrar a existência de pressupostos válidos contidos no art. 896 da CLT, visto que, in casu, não restou demonstrada afronta ao art. 3º da CLT e nem ao art. 1º da Lei 5.859/72, porquanto consignou o Regional que a continuidade da prestação de trabalho não quer dizer ininterruptividade, pois trabalhar um dia por semana, em todas as semanas do ano, durante 27 anos e contemplando suas necessidades básicas e cotidianas do serviço doméstico é, sem dúvida, prova de continuidade. Ademais, no Dicionário Aurélio, o vocabulário contínuo significa seguido, sucessivo. Melhor dizendo, não há necessidade de que o labor ocorra todos os dias da semana, e, sim, de que, na forma contratada pelas partes, seja habitual, conforme o caso dos autos. Recurso não conhecido.
No julgado acima, o TST exarou entendimento no sentido de que “a eventualidade capaz de elidir o vínculo de emprego e que se contrapõe à continuidade, configura-se naquelas situações em que a diarista é contratada esporadicamente, sem dia certo, sem constância semanal e sem compromisso de comparecimento sempre no mesmo dia em todas as semanas”.
O fato é que, discussões à parte, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou projeto de lei, de autoria da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) que regulamenta a profissão do diarista, estabelecendo que o diarista é o profissional que presta serviço no máximo duas vezes por semana para a mesma residência.
Assim, segundo o projeto de lei, o trabalhador que prestar serviços por mais de 02 dias na semana para a mesma residência passa a ser empregado doméstico.
O projeto de lei visa, portanto, estabelecer um critério objetivo e preciso para a definição do trabalho como diarista (autônomo) ou como empregado doméstico, bem como conferir maior segurança e tranqüilidade às partes no ato da contratação, já que tal definição, atualmente, sempre fica a critério da interpretação conferida pelo Judiciário Trabalhista, caso a caso.
A inovação introduzida pelo referido projeto de lei, em caso de futura aprovação na Câmara dos Deputados, será benéfica ou prejudicial ao trabalhador?
Não se pode perder de vista que, geralmente, o trabalho exercido pelas diaristas é melhor remunerado do que o trabalho desenvolvido pela empregada doméstica. E essa inovação legal poderá, no futuro, dificultar o trabalho das diaristas que atualmente costumam trabalhar na mesma residência por três dias na semana. Só o tempo poderá dizer.
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